PARECER CREMERJ Nº 07/2024
PROCESSO-CONSULTA Nº 04/2024
ASSUNTO: Indicação de médicos anestesiologistas por parte de Operadoras de Saúde.
RELATORA: Conselheira Renata Christine Simas de Lima
EMENTA: A apreciação detalhada do contrato firmado entre plano de saúde e o beneficiário é crucial para determinar, caso a caso, os direitos e obrigações das partes envolvidas, já que o contrato pode prever reembolso por utilização de rede assistencial não credenciada, frisando que todas as supostas violações a direitos fundamentais poderão ser apreciadas pelo Poder Judiciário
DA Consulta:
O Consulente questiona se um plano de saúde pode se negar a reembolsar o anestesiologista não credenciado, sob a alegação de que já teria sido avisado ao usuário que os honorários do anestesiologista se encontravam inclusos na autorização e que não haveria reembolso posterior.
Do Parecer
Nas últimas décadas, a especialidade anestesiologia, em termos de saúde suplementar, tem atuado dentro do Estado do Rio de Janeiro em sua maioria sem possuir credenciamento junto às Operadoras de Saúde, seja por meio direto ou por meio de cooperativas e empresas médicas. Porém, mais recentemente, iniciou-se um novo movimento dentro da especialidade, onde uma crescente parcela de seus membros tem obtido credenciamento junto às Operadoras. Tal situação tem criado uma série de conflitos, haja vista existir uma parcela relevante de profissionais da especialidade que atuam, seja parcial ou totalmente em caráter particular, que nem sempre são os mesmos profissionais que prestam serviço para as equipes cirúrgicas credenciadas a essas Operadoras.
Logo, surge o questionamento se seria legítimo a Operadora indicar profissionais médicos anestesiologistas já credenciados para atender os pacientes em procedimentos autorizados pela Operadora ou, em caso de opção pelo paciente e equipe cirúrgica de manter o atendimento com o profissional não credenciado, negar o reembolso baseado no fato de possuir rede credenciada, informando previamente o paciente dessa eventual negativa.
Segundo a Lei nº 9.656, de 03 de junho de 1998, que dispõe sobre os planos e seguros privados de saúde, “o plano de saúde, quando incluir internação hospitalar, deve cobrir as despesas referentes aos honorários médicos, serviços gerais de enfermagem e alimentação. A rede própria ou credenciada é prioritária para os tratamentos solicitados pelos beneficiários.” (Brasil, 1998).
Assim, à primeira vista, não se vislumbra ilegalidade na conduta do plano de saúde que disponibiliza rede credenciada de anestesiologistas e informa, com antecedência, que não fará o reembolso de honorários no caso de o paciente, por escolha própria, optar por profissional diferente.
Contudo, não é sempre que esse tipo de negativa de reembolso irá prosperar, conforme observamos em decisão proferida pelo STJ:
[...] 3. O reembolso das despesas médico-hospitalaes efetuadas pelo beneficiário com tratamento/atendimento de saúde fora da rede credenciada pode ser admitido somente em hipóteses excepcionais, tais como a inexistência ou insuficiência de estabelecimento ou profissional credenciado no local e urgência ou emergência do procedimento. [...] (EAREsp nº 1459849/ES)
Embora prevaleça na jurisprudência uma interpretação literal do inciso VI, da Lei Nº 9.656/1998, no sentido de que apenas situações excepcionais, tais como casos de urgência e emergência ou de inexistência ou insuficiência de estabelecimento, ou profissional credenciado no local, obrigam o plano de saúde a reembolsar despesas fora de sua rede credenciada, há precedentes que ampliam a possibilidade de ressarcimento das despesas médicas no caso de utilização de serviços não credenciados ou referenciados pelas Operadoras para além destas circunstâncias excepcionais.
Há quem entenda que, em virtude da previsão contida no artigo 32, da Lei nº 9.656 de 1998, que obriga a operadora de saúde a ressarcir o SUS na hipótese de tratamento em hospital público, não há razão para obstar o reembolso ao beneficiário que se utiliza dos serviços que não fazem parte da rede credenciada do plano.
Outro entendimento é que, dada a incidência do Código de Defesa do Consumidor nos contratos de planos de saúde, que prevê no artigo 6 que: “São direitos básicos do consumidor: (...) II - a educação e divulgação sobre o consumo adequado dos produtos e serviços,asseguradas a liberdade de escolha e a igualdade nas contratações” citação o paciente/consumidor tem o direito de escolher os serviços prestados e quem será o prestador. Por exemplo, um profissional com o qual possua algum vínculo de confiança.
Neste contexto, é importante frisar que se a relação médico x paciente é baseada na confiança, da mesma forma é a relação entre o médico-cirurgião e o anestesiologista que o acompanha nos procedimentos cirúrgicos. E este seria mais um dos argumentos utilizados para defender a possibilidade de reembolso das despesas com o profissional anestesiologista que não seja da rede credenciada do plano.
Uma cirurgia é um procedimento complexo, que envolve profissionais de diversas áreas e especialidades, a exemplo do médico-cirurgião, do médico auxiliar, do anestesiologista, do instrumentador cirúrgico, etc., e a boa assistência ao paciente está diretamente ligada ao bom relacionamento entre os componentes da equipe.
Segundo a Resolução CFM nº 2.174, de 17 de junho de 2016, a responsabilidade do anestesiologista começa antes da cirurgia, a partir da realização da consulta pré-anestésica, momento em que irá conhecer as condições clínicas do paciente e decidir, conforme os riscos detectados, pela realização ou não do ato anestésico. Sua responsabilidade continua durante o procedimento cirúrgico e se estende para além da cirurgia, uma vez que o profissional precisa fazer monitorização contínua do paciente na sala de recuperação pós-anestésica.
Não se pode afirmar que uma equipe que nunca tenha operado conjuntamente não irá realizar de forma satisfatória o seu trabalho, mas é inegável que a confiança prévia existente entre o médico-cirurgião e o anestesiologista interfere na tomada de decisões antes, durante e depois da cirurgia, sendo, portando, fundamental para a segurança do ato operatório que o mesmo esteja familiarizado e possua as competências necessárias para atuação naquele ato cirúrgico.
Ademais, também se deve considerar a evolução da especialidade anestesiologia e das técnicas cirúrgicas que, pela sua complexidade crescente, criam, de certa forma, especialistas em subespecialidades dentro da anestesiologia, que são capazes de atuar no auge da segurança e eficiência apenas em procedimentos nos quais possuam qualificações e experiências específicas, ainda que estas não sejam, em princípio, registradas oficialmente como áreas de atuação. A título de exemplo: um médico anestesiologista que atua em cirurgias cardíacas e possui experiências e competências específicas para o sucesso desse tipo de procedimento, em oposição a um profissional que atua de forma habitual com neurocirurgia, cujo arcabouço técnico será totalmente díspar, não sendo esperado que um consiga os mesmos resultados atuando dentro da área de especialidade do outro.
Mais recentemente, inclusive, ocorre o advento da cirurgia robótica, cuja especificidade em relação à cirurgia por meios tradicionais, associada a sua ainda recente adoção, gera a necessidade de treinamento específico de médicos anestesiologistas para atuar em seus procedimentos, sob risco de aumentar as complicações associadas a esse tipo de cirurgia.
CONCLUSÃO
Na réstia do exposto, embora não se vislumbre, em abstrato, a ilegalidade na conduta do plano de saúde que disponibiliza rede credenciada de anestesiologistas e informa, com antecedência, que não fará o reembolso de honorários no caso de o paciente, por escolha própria, optar por profissional diferente, é imperativo que se reconheça que existem outras situações que interferem na escolha para a realização de um procedimento cirúrgico, e um dos exemplos disso é justamente a confiança que permeia, não só a relação entre o paciente e o médico, mas também entre os componentes de uma equipe cirúrgica.
Nesse sentido, ainda que haja um número de profissionais médicos anestesiologistas credenciados junto às Operadoras, nem todos possuirão os requisitos técnicos e a experiência para atuar com efetividade e segurança em qualquer procedimento cirúrgico, motivo pelo qual a escolha do médico anestesiologista pelo cirurgião responsável deve ser autônoma, não sendo cabível aplicação de restrições pela Operadora de Saúde, conforme estabelecido pelo CREMERJ, no Parecer nº 05/2019, que dispõe que as Operadoras de Planos de Saúde não podem punir ou realizar descontos na remuneração dos médicos conveniados pelas escolhas feitas por eles, dos meios a serem praticados para estabelecer o diagnóstico e executar tratamento de seus pacientes, sob pena de restringirem a autonomia médica.
Em outras palavras, a simples existência de profissionais credenciados pela Operadora não garante que haverá disponibilidade de profissional com as qualificações e experiências necessárias para assistir o paciente no procedimento proposto, situação na qual seria ilegítimo da Operadora aplicar quaisquer restrições a livre autonomia de indicação de profissional pelo cirurgião responsável.
A análise casuística das situações, bem como a apreciação detalhada do contrato firmado entre plano de saúde e beneficiário é crucial para determinar, caso a caso, os direitos e obrigações das partes envolvidas, já que o contrato pode prever reembolso por utilização de rede assistencial não credenciada, frisando que todas as supostas violações a direitos fundamentais poderão ser apreciadas pelo Poder Judiciário, e eventuais conflitos nas relações entre clientes e Operadoras de Saúde devem ser submetidos a análise pela Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS).
Rio de Janeiro, 29 de outubro de 2024.
Conselheira Renata Christine Simas de Lima
Conselheira Relatora
Aprovada na 77ª Sessão Plenária do Corpo de Conselheiros realizada em 29/10/2024
Referências:
Brasil. Lei nº 9.656, de 03 de junho de 1998. Dispõe sobre os planos e seguros privados de assistência à saúde. Brasília, DF: Diário Oficial da União, Seção I, p. 01, 04 jun. 1998. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9656.htm. Acesso em: 17 set. 2024.
BRASIL. Lei Nº 8.078, de 11 de setembro de 1990. Código de Defesa do Consumidor: dispõe sobre a proteção do consumidor e dá outras providências. Brasília, DF: Diário Oficial da União, 1990. Acesso em: 17 set. 2024. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8078compilado.htm#:~:text=LEI%20N%C2%BA%208.078%2C%20DE%2011%20DE%20SETEMBRO%20DE%201990. Acesso em: 17 set. 2024.
CONSELHO FEDERAL DE MEDICINA. Resolução nº 2.174, de 14 dez. 2017. Dispõe sobre a prática do ato anestésico e revoga a Resolução CFM nº 1.802/2006. Diário Oficial da União: Seção I. Brasília, DF, p. 82, 27 fev. 2018. Disponível em: https://sistemas.cfm.org.br/normas/visualizar/resolucoes/BR/2017/2174. Acesso em: 17 set. 2024.
CONSELHO REGIONAL DE MEDICINA DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO. Parecer nº 05 de 07 de junho de 2019. Dispõe Operadoras de Planos de Saúde não podem punir ou realizar descontos na remuneração dos médicos conveniados pelas escolhas feitas por eles, dos [...] Disponível em: https://sistemas.cfm.org.br/normas/visualizar/pareceres/BR/2016/37. Acesso em: 17 set. 2024.
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